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A escola e o Comum

“Escola”, oriunda do grego “scholé”; significa: lugar de ócio.

Definição que faz muito sentido para os gregos antigos, que pensavam a escola de forma bem diferente dos europeus do século XII, nos quais nós, a escola do século XIX, nos inspiramos. Trabalho na Grécia antiga, não é algo para homem livre; escola, sim (Marrou,2017).

Para os gregos do século 4 a.C, como por exemplo, Aristóteles (384 a.C - 322 a.C), preceptor de ninguém menos que Alexandre o Grande, a escola era o lugar da pergunta. Na Grécia Antiga, seria inimaginável construir conhecimento sem a radicalização das dúvidas que surgiam de quem aprendia. Bem verdade que existiam as chamadas “academias”, mas quaisquer lugares poderiam através de uma pergunta, transformarem-se em espaços de aprendizagem. As perguntas motivaram a vida social e o interesse coletivo grego. Embora muitos lugares institucionais já existissem, a ideia das carteiras, da sala de aula, da divisão seriada e do “lugar de aprender”, não fazia parte do horizonte de aprendizagem grego (Marrou,2017).

No século XII, o modelo de escola que hoje conhecemos nasceu influenciado pela caridade da Igreja e sua missão de reprodução catequética, que fez a “pergunta” ainda presente, mas feita pelo professor, sujeito responsável por apresentar o caminho que leva aos céus. Eis o momento onde a “pergunta” muda de lugar na escola; saindo do agente da curiosidade e ocupando o espaço do alcance da verdade (Nunes, 2018).

Já no século XIX, a escola ganha os passos do sistema econômico capitalista; a pergunta da Igreja já está internalizada enquanto moral[1], e o conhecimento válido é o da reprodução da vida individual em detrimento do bem-estar coletivo[2].

Educação e exclusão

O caminho de construção da escola, tal qual a conhecemos hoje, segue a mesma lógica de construção da noção de indivíduo dentro do capitalismo, de forma que aquilo que é “comum”[3], é considerado utópico e sofre periferização diante do que “realmente importa”: a obtenção de um grupo específico de conhecimentos, para a boa distribuição da vida na rotina da competição capitalista.

O grande problema que se levanta então, é que o próprio conhecimento é fruto do “comum”, portanto da partilha e do compartilhamento; conhecimento se faz por muitas cabeças e mãos, por seguir lógica cumulativa em difusão, e não acumulativa em privação.

O que entra em atrito com a perspectiva de individualização competitiva, que ao restringir o acesso ao conhecimento para a grande maioria dos cidadãos, cria “fossos de saber”, que impactam diretamente a reprodução do próprio conhecimento.

Uma vez que conhecimento e competição estejam intrínsecos ao modelo de organização da vida, constrói-se socialmente a distinção: escola do conhecimento e a escola da assistência. A escola do conhecimento, atende às camadas médias e altas, a escola da assistência, atende aos pobres (Algebaile,2009).

A escola do conhecimento ensina erudição; a escola da assistência, alimenta e ensina higiene pessoal.

Tradicionalmente no Brasil pós década de 1980, as escolas para os pobres estão sob gestão do Estado, enquanto as escolas das camadas médias e altas estão sob gestão privada. A diferenciação de reprodução do conhecimento segue lógica estabelecida em fatores como classe social e sua estratificação no mundo do trabalho. Se para os gregos “escola”, significou “lugar de ócio”, para as sociedades capitalistas, significa lugar na divisão internacional do trabalho. Logo, a escola, é a escola do trabalho que o indivíduo exercerá em sua sociedade[4].

A escola do trabalho, não é a escola da pergunta, mas sim da resposta. A resposta é coletiva, mas nem todos são capazes de formulá-la. Grande parte é preterida sequer do entendimento da pergunta que motiva a resposta.

O conhecimento originalmente “comum”, reproduz-se então, em duas facetas privadas: a de privação de acesso e privatização do próprio saber. Está dada a dicotomia social entre o lugar que o conhecimento pretende-se reproduzir; a escola: escola para os pobres versus escola para as camadas médias e altas, e escola pública versus escola privada.

Dentro das dicotomias destacadas, a ideia de “comum” se perde, uma vez que o público o é, não devido ao seu vasto compartilhamento, mas sim às limitações sociais que lhe são impostas. Têm-se de um lado o público no processo de precarização do conhecimento e de outro o privado na lógica do “mercado”. Ambos os modelos mostram-se historicamente insuficientes para reprodução da vida coletiva[5].

Elinor Ostrom (1933-2012), vencedora com Oliver E. Williamson do Prêmio Nobel em Economia de 2009, em crítica a Garret Hardim e seu famoso ensaio “The tragedy of the commons”, analisa as reais possibilidades da dicotomia público/privado, serem construções de cunho teórico que impõem a realidade, processos de limitação e esvaziamento da “noção comum”, quando na prática da vida social, não fazem sentido, por a realidade dar conta de grandes “economias de compartilhamento” que extrapolam tal dicotomia.

A escola, como não descolada da realidade social, também é impactada pelas noções limitadoras de organização, o que afeta diretamente o processo de compartilhamento do conhecimento e restringe os acessos. Estabelecendo aquilo que Algebaile (2009), chama de “posto avançado do Estado” para as escolas públicas, cuja funções de ensino e aprendizagem são ressignificadas nas tarefas de assistência, para minimizar os problemas da classe social.

O lugar da escola pública, na sociedade brasileira, não é o lugar do conhecimento, justamente pelo conhecimento perder sua perspectiva comum e privatizar-se. Há então, a ressignificação do espaço escolar público diante das contradições de debilidades sociais brasileiras.

Logo, a busca pelo retorno da pergunta e da ânsia da pesquisa ao processo de aprendizagem, inevitavelmente passa pela releitura da função escolar, e da radicalização da racionalidade comum como forma de sobrevivência e modelo de organização.


[1] Ver a discussão realizada por Max Weber (1864-1920) sobre as vertentes de internalização da acumulação capitalista enquanto moral cristã protestante, em: A ética protestante e o espírito do capitalismo. Companhia das Letras, 2004. [2] A escola “iluminista” transferiu os castigos aplicados pelo trabalho no início da Revolução Industrial às crianças, para dentro dela. Fazendo da escola o próprio espaço de esvaziamento da brincadeira e da busca de aprendizagem. Coincidem historicamente as leis de limitação ao tempo de trabalho para as crianças e construção da escola do século XIX. Ver: “Uma breve história da educação e do nascimento da escola”, tradução do texto de Peter Gray, por Pedro Ribeiro Nogueira. Disponível em: <<https://educacaointegral.org.br/reportagens/uma-breve-historia-da-educacao-da-escola/>> Acesso em 12/09/2021. [3] A “Teoria do Comum”, trata-se de um conjunto de conhecimentos formulados desde o Séc. XIX, fundamentalmente nas áreas da economia, psicologia,ciências sociais e direito, que, em linhas gerais, visam debater os comportamentos sociais versus a distribuição material nas sociedades. Para introdução ao tema, ver a palestra proferida pelos professores, Christian Laval, Pierre Dardot e Christian Dunker, disponível em: <<https://www.youtube.com/watch?v=7nu_bjoXuus&ab_channel=TVBoitempo>> . [4] Ver o texto de Marina Avelar: O público, o privado e a despolitização nas políticas educacionais. Educação contra a barbárie. Boitempo,2019. [5] Ver: A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. LAVAL, Christian. Boitempo, 2019.


Referências:

ALGEBAILE, Eveline. Escola pública e pobreza no Brasil: a ampliação para menos. Rio de Janeiro: Ed. Lamparina, Faperj. 2009.

BRAGA, Lucelma Silva. A história da luta em defesa da educação pública no Brasil: questões para pesquisa. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nº65, p.344-358, out. 2015. Disponível em: <<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8642715/10194>> Acesso em: 05/06/2020.

BITTAR, Marisa & BITTAR, Mariluce. História da educação no Brasil: A escola pública no processo de redemocratização da sociedade. Acta Scientiarum. Education. Maringá, v. 34, n. 2, p. 157-168, July-Dec., 2012.

DARDOT, Pierre. LAVAL, Christian. Comum - ensaio sobre a revolução no Séc. XXI. São Paulo: Ed. Boitempo. 2017.

HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Bem Estar Comum. Rio de Janeiro: Record. 2016.

MARROU,Henri-Irénée. História da Educação na Antiguidade. São Paulo,. Kírion, 2017.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo,. Kírion, 2018.

OSTROM, Elinor. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge University Press, 1990.

______________. El Gobierno de los Bienes Comunes: La evolución de las instituciones de acción colectiva. Universidad Nacional Autónoma de México. 2000

SAVIANI, Demerval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Autores Associados. Campinas: SP. Edição: 4ª; março de 2014.

Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Centros Integrados de Educação Pública: uma nova escola. Estud. av. vol.5 no.13 São Paulo Sept./Dec. 1991.




Lucas Forlevisi de Mello, cientista social e mestre em educação.

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1 commento


Artur Freitas
Artur Freitas
22 set 2021

São as perguntas que movem o mundo.

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