Em nosso cotidiano, é comum usarmos temperatura e calor como sinônimos. De fato, não é trivial distinguir as duas grandezas físicas por meio da observação dos fenômenos térmicos. Por exemplo, um dia quente pode ser facilmente relacionado à taxa de irradiação solar, a noite quente também é atribuída a taxa irradiação do dia. Nesse sentido, poderia se pensar que as perturbações causadas pelo Sol permanecem armazenadas no ambiente ou causa algum efeito duradouro nele. Durante muito tempo, apenas a primeira hipótese fora considerada, pensava-se que o calor ficava armazenado nos materiais na forma de uma sustância fluida invisível – o calórico. A temperatura nessa perspectiva, era o resultado de um material embebido pelo calórico. Benjamin Thompson, em 1798, percebeu que metais se aqueciam ao serem atritados, isso significaria que o calórico poderia ser criado. Como o aumento do atrito poderia levar o derretimento dos materiais, não fazia sentido pensar que o calórico estava contido nos materiais, pois eles estavam em estado sólido. Thompson concluiu então que o calor estava relacionado a energia motriz.
Hoje, entendemos o calor como energia térmica e a temperatura é proporcional energia cinética (T = 2/3KBxEcin – gás ideal monoatômico) dos átomos/moléculas que constituem os materiais. Embora a definição seja simples, ainda não fica claro como é possível medir a temperatura, já que, não é possível medir diretamente a energia cinética dos corpos. Antes de associar a temperatura à energia cinética interna de um corpo, já se media a temperatura. Os dois principais instrumentos até a primeira metade do século XIX eram os termômetros graduados na Escala Fahrenheit e na Escala Celsius. Esses instrumentos são formados por um tubo capilar com um líquido interno e isolado do ambiente externo, exceto por uma interface metálica que permite a troca de calor. O que se mede com eles é o grau de dilatação do um líquido (mercúrio ou álcool) contido no instrumento devido ao contato térmico com o corpo cuja temperatura desejava-se identificar. Para se relacionar a dilatação à temperatura é necessário usar duas ou mais referências de temperaturas conhecidas. O ponto zero da Escala Fahrenheit foi definido usando uma mistura anticongelante constituída de gelo, água e sal de amônio. Os demais foram os pontos de fusão do gelo (32°F), temperatura corpórea (98,6°F) e ebulição da água (212°F). Já na Escala Celsius, a referência é o ponto de fusão (0°C) e ebulição (100°C) da água.
Por meio desses instrumentos, podemos entender a temperatura como sendo a razão da dilatação do líquido contido no termômetro com àquela necessária para que a água evapore. Dessa forma, uma temperatura de 20°C representaria 20% da temperatura necessária para causar a transição de fase da água (vaporização) ou 0,2 da dilatação na qual ocorre a vaporização. É interessante notar que a medição da temperatura será tanto mais precisa quanto menor for o volume do líquido no termômetro, pois quando encostamos o termômetro no objeto que se a ser medido, ele compartilha energia com o termômetro até o equilíbrio, logo, a temperatura do objeto irá diminuir. Outro fato a se observar é que a temperatura de vaporização da água varia com a pressão atmosférica, logo, os termômetros na escala Celsius e Fahrenheit devem ser calibrados no nível do mar, onde a pressão atmosférica é de 1 atm. Além de servir como referência para as escalas termométricas, o ponto de vaporização da água pode ser usado como medida indireta de altitude, no Everest, por exemplo, a água ferve em torno de 70°C.
Uma terceira escala muito conhecida é a Kelvin, ela também é chamada de escala absoluta, enquanto as que vimos anteriormente são relativas, pois dependem de referências (ponto fusão e ebulição da água). Fundamentado pelos estudos de Sadi Carnot (1796-1832), em 1848, Lord Kelvin propôs uma escala cuja ideia de temperatura era pautada pela possibilidade de haver trocas de calor. Sendo assim, segundo ele, existia um ponto - zero absoluto - no qual um corpo não mais possuía energia térmica para fornecer. Embora Kelvin não tenha realizado a correlação entre a escala absoluta e as relativas, a forma de se fazer isso já havia sido observada por Guillaume Amontons (1663-1705). Ele notou que o ar encerrado dentro de um recipiente rígido tinha a pressão interna aumentada em um terço quando aquecido a temperatura de ebulição da água. Dessa forma, variando a temperatura de um gás ideal a volume constante, registrava-se o aumento linear da pressão do sistema. Desde Amontons, sabia-se que a razão Pressão/Temperatura era 1/273,15 (P = 1 atm + 1/273,15xT). Logo, quando a pressão é zero a temperatura é igual a - 273,15 °C.
Outra forma de definir o zero absoluto poderiam ser pela lei Charles (relação volume x temperatura de um gás), Figura abaixo. Na perspectiva da Lei de Charles, a temperatura pode ser entendida como o grau de dilatação de um gás ideal. Em tese, as moléculas dos gases ideias não interagem em nenhuma circunstância, eles não se liquefazem ou solidificam. Esse tipo de gás também pode ser perfeitamente descrito pela pressão, temperatura e volume - (PV)/T = const.
Por meio do que foi apresentado, pudemos notar que a temperatura pode ser interpretada de diferentes formas, inclusive a interpretação pode variar de acordo com a forma de medição, que é indireta. Poderíamos dizer que a temperatura é apenas um parâmetro que indica a variação de energia cinética. Essa afirmação é sustentada devido a correlação entre a energia cinética e a frequência de colisões atômicas/moleculares que, por sua vez, resultam no aumento do volume molecular e da pressão interna dos gases. Pensando nos sólidos e líquidos, que as forças atrativas são maiores que as repulsivas, a relação entre temperatura e energia cinética é mais complexa, todavia, ela ainda continua sendo um parâmetro indicativo de variação de energia cinética. Talvez, saber os efeitos da temperatura seja mais importante do que definir precisamente o que ela é.
Fernando Modesto Borges de Oliveira
Referências:
Medeiros, Alexandre. "O desenvolvimento histórico da escala Fahrenheit e o imaginário de professores e de estudantes de Física." Caderno Brasileiro de Ensino de Física 24.2 (2007): 155-173.
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