Hoje, deparei-me com a triste notícia sobre as queimadas incontroláveis na Ilha de Evia, Grécia. Embora, em muitas circunstâncias, as queimadas sejam eventos naturais, é impossível não se entristecer pela perda vegetal e animal e com a dor dos habitantes, que tiveram que abandonar seus lares e memória da paisagem que não mais existe. Essas cenas recordaram-me as queimadas no Pantanal e as inúmeras queimadas na Floresta Amazônica, que estranhamente foram normalizadas. Aquele céu vermelho, ainda que mais intenso que os que já testemunhei, lembrou-me outros que eu visualizava quando voltava de São Carlos para Araraquara (Morada do Sol). O céu vermelho surge sempre que há queimadas oriundas das plantações canavieira da região – quero acreditar que essas queimadas sejam naturais, já que a mecanização do setor dispensa as queimadas que outrora facilitavam o manejo, mas que, por outro lado, afetavam a qualidade do ar, do solo e toda biodiversidade local. Tendo em vista as alterações ambientais advindas das queimadas, podemos inferir que nossos sentidos são ferramentas importantes para monitorar qualitativamente o ambiente. Nesse sentido, gostaria de dar ênfase para a função da visão nessa tarefa.
Por meio dos exemplos supracitados, é possível concluir que a coloração do céu muda de acordo com a quantidade de material particulado na atmosfera, em especial, aqueles resultantes de processos de queima, combustão. A primeira coisa que devemos ter em mente é que a queima completa de matéria orgânica produz gás carbônico e vapor de água – destacando que essas duas moléculas são responsáveis pelo efeito estufa. Se a queima for incompleta, além das substâncias mencionadas, teremos monóxido de carbono (gás tóxico) e carbono molecular, que também chamamos de fuligem e possuem diferentes tamanhos de partículas. As partículas menores se deslocarão verticalmente na atmosfera e interagirão com a radiação visível (luz). Essa interação resultará no fenômeno de espalhamento. Espalhar um feixe de luz consiste em dispersar uma ou mais ondas que formam o feixe das demais e em diferentes direções. Dessa forma, poderemos enxergar essa cor separadamente. É notório que ao impressionar a retina, a luz do sol é interpretada como sendo a cor branca. Também é sabido que Newton decompôs espacialmente a luz branca em sete espectros com a ajuda de um prisma. Agora, será que é possível separar uma única cor das demais que compõem a luz visível? O espalhamento é justamente o fenômeno que consegue realizar esse feito. Existem dois tipos de fenômeno de Espalhamento, o Rayleigh e Mie. Quando esses fenômenos ocorrem, uma ou mais radiações são dispersadas em todas as direções, de maneira homogênea ou heterogênea, dependendo do tipo de espalhamento. No Espalhamento Rayleigh, a intensidade de radiação é espalhada homogeneamente e é inversamente proporcional a quarta potência do comprimento de onda (I α λ-4). Isso significa que as ondas eletromagnéticas visíveis e de menor comprimento de onda, portanto, de maior energia, se espalharão de maneira mais pronunciada que as demais, o que nos permitirá distingui-la. As moléculas de nitrogênio e oxigênio, que compõem quase que totalidade do ar atmosférico, espalham preferencialmente as ondas de cor azul, logo, conseguiremos enxergar essa cor - nesse instante, já estamos aptos a responder a indagação da música Pais e Filho: “me diz por que que o céu é azul”.
Como o Espalhamento Rayleigh é homogêneo, enxergarmos metade da intensidade da radiação espalhada quando estamos olhando diretamente para a região onde o fenômeno ocorreu. Em outras palavras, a cor azul é melhor observada quando o ângulo entre o observar, a fonte de luz e a de espalhamento, estão a aproximadamente 90°. Quando o ângulo é maior que esse, significa que estamos tendendo a olhar diretamente para o Sol. Em ângulos menores, a intensidade da luz espalhada que chega aos nossos olhos diminuirá, e se for muito pequeno, será imperceptível. O Espalhamento Rayleigh não justifica a visualização das cores de maior comprimento de onda, como é o caso, por exemplo, da luz laranja e vermelha. A visualização delas é explicada pelo Espalhamento Mie.
Ele também consiste na interação da radiação com partículas menores, ou da ordem do comprimento de onda da luz. Entretanto, esse espalhamento é heterogêneo e a intensidade da luz dispersada é maior na direção do feixe incidente. Sendo assim, esse fenômeno será mais intenso quando se está olhando diretamente para a fonte de luz. As partículas situadas entre o observador e a fonte dispersarão a luz mais intensamente. Além disso, quanto maior a partícula, mais pronunciada será a intensidade de radiação espalhada na direção do feixe. Como o Espalhamento Mie é mais intenso que o de Rayleigh, é possível visualizar dispersão das luzes menos energéticas (cor laranja e vermelha).
Nesse sentido, ao entardecer, o céu tenderá ao vermelho, se a concentração de material particulado com tamanho próximo ao comprimento de onda da luz vermelha for maior. Notemos que as luzes de outras cores também estão sendo espalhadas, só que o caminho que a luz percorre até nós também é maior. Sendo assim, o ar funcionará como um filtro, eliminará ao longo do caminho as luzes mais energéticas até que possamos ver aquelas de menor energia. Por fim, a intensidade das luzes espalhadas no pôr do sol aumentará com a concentração de material particulado na atmosfera. É importante salientar que nem sempre o aumento da concentração de material particulado é de origem antropogênica. Entretanto, é inegável que, na maioria das vezes, nós somos os responsáveis. Com relação a isso, o que me conforta é que "na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". A Natureza se equilibrará, mas, talvez, não sejamos nem intermediário e nem produto desse processo.
Fernando Modesto Borges de Oliveira
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