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Mudanças Climáticas: “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose”

Atualizado: 4 de nov. de 2021


Em 1972, os físicos estelares discutiam sobre a possibilidade de a Terra ser habitável, tendo em vista que as atividades solares nos seus primórdios era 25 % menor do que é hoje. Isso significa que a taxa de incidência solar sobre a Terra também era menor, implicando na impossibilidade de existência de água líquida em nosso planeta. Além disso, sendo a Terra uma imensa bola de gelo, ainda que a incidência solar aumentasse com o tempo, a reflectância do gelo era suficientemente grande a ponto de inviabilizar o aquecimento da Terra nos próximos milhares de anos. Porém, segundo registros geológicos e fósseis, mesmo com menor incidência solar, já existia água líquida e temperatura adequada para existência da vida. Essa discordância entre esses fatos científicos foi chamada por Carl Sagan e George Mullen de Paradoxo do Sol jovem fraco (The Faint Young Paradox). É nesse contexto que os gases estufas ganham sua devida importância sendo responsáveis pela existência de água líquida e, consequentemente, de vida em nosso planeta. Eles funcionam como espécies de “cobertores” localizados sobre a atmosfera e que refletem as ondas de calor provenientes da superfície da Terra e dos oceanos mantendo a temperatura amena - na verdade, eles absorvem e reemitem as ondas de calor, radiação infravermelho -.

De fato, o balanço energético, relação entre a radiação que adentra nossa atmosfera e a que sai dela em direção ao espaço, já havia sido observada por Joseph Fourier, há duzentos anos. Fourier já havia entendido que a superfície desempenhava o papel de transformar a radiação proveniente do Sol que são invisíveis aos gases atmosféricos em radiações de grande comprimento de onda, e, para a qual, a atmosfera se comportava como corpo escuro, portanto, absorvendo-as.

A primeira pessoa a afirmar que o CO2 era o gás estufa mais importante no aquecimento do planeta foi o pesquisador Sueco e ganhador do Prêmio Nobel Svante Arrhenius. Foi seu colega, o meteorologista Nils Ekholm quem, em 1901, cunhou a palavra greenhouse (estufa) para descrever o armazenamento e reemissão de calor na atmosfera. Arrheinus aplicou a Lei de Stephan-Boltzmann - segundo essa lei, a energia irradiada por um corpo por segundo é proporcional à quarta potência de sua temperatura, σ.T4- ao dióxido de carbono e ao vapor d’água e concluiu que a temperatura média do planeta era de 15 °C, se a atmosfera não absorvesse parte da radiação incidente a temperatura seria de aproximadamente – 18 °C. Em 1986, Arrhenius alertou para a possibilidade de os combustíveis fósseis aumentar a temperatura média global. Junto com Thomas Chamberlin, calcularam que o dobro de CO2 na atmosfera poderia elevar a temperatura média em 5 °C.

Na década de 60, Syukuro Manabe, ganhador do Prêmio Nobel de 2021, assim como Arrhenius, se propôs a entender como o aumento de dióxido de carbono poderia impactar a temperatura média global. Ele desenvolveu alguns modelos físicos computacionais que estimavam o gradiente de temperatura da superfície da Terra até a estratosfera. Segundo os cálculos computacionais, o dobro de CO2 elevaria a temperatura média da superfície terrestre em 2 °C.

Por experiência com previsões meteorológicas, intuímos que deve ser difícil fazer predição do clima com mais de dez dias de antecedência. Sem dúvidas as previsões ficaram mais confiáveis com os supercomputadores, mas, ainda assim, nem sempre são precisas. No Brasil, ainda temos o problema da falta de investimento em equipamentos, capacitação, aumento na quantidade de centros de monitoramento para monitoramento das condições locais (temperatura, velocidade dos ventos, umidade relativa do ar e pressão atmosférica) que poderia tornar o prognóstico ainda melhor. Tendo em vista essas variáveis, era de se esperar um certo ceticismo da comunidade com relação as previsões climáticas, bem como, a influência que o uso combustíveis fósseis exerce sobre elas. Todavia, nos anos 80, Klaus Hasselmann demonstrou que fenômenos climáticos complexos (problemas de múltiplas variáveis) podem ser representados a longo prazo por meio de bases científicas sólidas. Ele mostrou que mudanças rápidas na atmosfera podem criar alterações de longo prazo nos oceanos. Por exemplo, a variação de temperatura da atmosfera pode ser rápida, mas a variação de temperatura dos oceanos em 1° C, pode ocorrer em milhares de anos. Além disso, ele desenvolveu métodos para calcular a influência antropogênica no clima. Esses modelos teóricos foram possíveis porque o CO2 emitido pelos oceanos, vulcões e, até mesmo, mudanças oriundas das atividades solares deixam sinais característicos, impressões digitais. Nós monitoramos o Sol há quase 140 anos e, desde a década de 60, a atividade tem diminuído, ainda assim, a temperatura aumentou. Os oceanos emitem por ano, mais de 780 Gt (giga toneladas) de CO2, mas eles também conseguem dissolver essa mesma quantidade de gás. Além disso, o dióxido de carbono proveniente da queima de combustíveis fósseis possui menor concentração de carbono-13, e não coincidentemente, esse carbono tem diminuído na atmosfera. Desse modo, conseguimos estimar que as atividades humanas lançam por ano pelo menos 30 Gt de CO2 na atmosfera. Esse gás é proveniente de atividades industriais, transporte e queimadas. O Brasil por exemplo, emitiu quase 3 Gt de CO2 em 2019, sendo que 73% dessa emissão foi proveniente da agropecuária. Esse dado também desmistifica a tese de que é necessário poluir para que haja crescimento econômico. Nos últimos 30 anos, a indústria brasileira diminui quase 20% e as emissões aumentaram 9,8% de 2018 para 2019. Ademais, ainda temos contribuído para o aumento da concentração de metano atmosférico, por sua vez, oriundo da criação de bovinos, produção de gás natural, áreas que foram alagadas sem o desmatamento necessário para construção de usinas hidrelétricas e lixões. O que observamos é que o modelo de desenvolvimento predatório não reflete na melhora da qualidade de vida da população em nenhum aspecto.

Afinal, o que torna os gases estufas tão especiais, possuem propriedades que outros gases não têm? Além dos gases estufas já citadas, ainda temos o monóxido de dinitrogênio que são exalados no processo de produção de ácidos, fertilizantes, queima biomassa e combustíveis fósseis. Temos também, os compostos halogenados (HFC, PFC e SF6) oriundos da indústria de aerossóis, espumas, refrigeração e solventes. O vapor de água também é um gás estufa, ele acrescenta uma dificuldade a mais nos modelos visto que o aquecimento médio do da Terra adiciona mais desse gás na atmosfera. Todos esses gases são poliatômicos e, dessa forma, possuem estados que chamamos de vibracionais. Isso significa que átomos realizam movimentos oscilatórios relativamente ao centro de massa da molécula. Para entender como esse estado de vibração afeta no armazenamento de energia, imagine que as ligações que unem os átomos as moléculas são formadas por molas. Ao esticar um átomo com relação a outro e depois soltá-lo, ele irá oscilar. Qual a possibilidade desse átomo parar de vibrar sem a uma intervenção uma força externa? Sendo assim, a molécula absorveu energia doada por uma agente externo a acumula em forma de vibração. A frequência de vibração desses átomos coincide com a radiação infravermelha, logo, ao interagir com a molécula poliatômica a radiação funciona como o agente externo que estica a mola. Átomos e moléculas podem armazenar energia em diferentes modos: se for apenas um átomo, ele irá acumular energia apenas na forma de movimento nos diferentes eixos (x, y e z), e a energia acumulada depende da massa e da velocidade dele; se a molécula for diatômica, além dos estados citados anteriormente, ela ainda poderá rotacionar em dois eixos; já as moléculas poliatômicas, possuem os estados das moléculas diatômicas e mais os estados vibracionais. Os estados vibracionais dependem dos tipos de ligações, das quantidades de ligações e dos graus de liberdades de oscilação, sendo assim, se a complexidade da molécula aumenta, ela pode vibrar nos três eixos simultaneamente. Levando esses fatos em consideração, podemos concluir que a molécula com maior potencial estufa é o SF6, o N2O por exemplo, é 300 vezes mais potente que o CO2. Tendo esse fato em vista, o apelo mais incisivo para diminuição de emissão de dióxido de carbono, reside mais no fato dele ser o gás que mais emitimos do que no potencial estufa dele em sim.

Um aspecto importante a se destacar, é a mudança de abordagem com relação aos efeitos dos gases estufas. No passado, usávamos a terminologia aquecimento global, hoje, a perspectiva é sobre as mudanças climáticas. Essa nova abordagem é importante por dois pontos: o primeiro está relacionado ao mal-entendido gerado pelo termo, muitas pessoas pensam que todo o globo terrestre irá aquecer como um todo, ficam confusas quando neva na Europa; o segundo ponto é que algumas pessoas não acham que seja má ideia que a temperatura da região que elas habitam aumente em 2 °C. Dessa forma, o termo mudanças climáticas é mais preciso, pois implica em fenômenos como: maior umidade relativa do ar, maior temperatura, aumento na velocidade dos ventos, tempestades, acidificação e aumento de temperatura dos oceanos, efeitos sobre nossa biodiversidade, piora na qualidade do ar etc.

As soluções para mitigar as catástrofes, que já nos afetam, do ponto de vista pragmático, é muito simples: devemos reduzir as emissões de gases estufas. Para tanto, devemos repensar nossas matrizes energéticas de forma que sejam mais eficientes e menos poluentes. Repensar nossa forma de geração e produção de riqueza, tendo em mente que: não é possível gerar riqueza infinita a partir de recursos e demandas limitadas. Nossa forma de pensamento econômico, viola a lei de Lavoisier e o princípio de conservação de energia e pensando em Le Chatelier, o deslocamento do equilíbrio químico pode não ser favorável para a vida tal qual a conhecemos.


Fernando Modesto Borges de Oliveira


Referências:

Misconceptions About Global Warming: https://www.youtube.com/watch?v=OWXoRSIxyIU

https://s3.eu-de.cloud-object-storage.appdomain.cloud/kva-image-pdf/2021/10/pop_fy_en_21.pdf

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